Por DENISE ELER, advisor, sensemaker e cocriadora do Canvas ESG
Em um mundo onde os desafios ambientais, sociais e econômicos estão cada vez mais entrelaçados, agir com clareza é tão crucial quanto ter uma compreensão profunda dessas interligações e do impacto que podem ter em nosso futuro coletivo e na condução dos negócios.
Nesse contexto tem emergido conceitos como Capitalismo Consciente, Capitalismo de Stakeholders, Economia Circular, ESG e Economia Regenerativa, todos prometendo um caminho para a sustentabilidade. Esta profusão de termos tem sido um obstáculo à ação coordenada que é tão necessária quanto urgente. Acredito, inclusive, que parte do desafio da Agenda ESG está em sua comunicação confusa e seu fracasso em se fazer entender por aqueles que afetam e são afetados no processo. Trata-se, portanto, de um desafio de sensemaking.
Quem se lembra da emblemática capa da The Economist cortando o “SG” da Sigla? Mais uma tentativa simplória de negar a complexidade e a interconexão que o a sociedade, o meio ambiente e o sistema produtivo.
Minha intenção com este artigo é fazer justamente o contrário: rejeitar o reducionismo simplório e conectar os pontos, incluindo os não tão óbvios e aparentes a olho nu. Encarar a complexidade sem sucumbir a ela. Trata-se de uma tentativa de criar sentido para você que pode estar um pouco confuso com tantos termos e abordagens. No fim, vou apresentar uma ferramenta criada para facilitar a compreensão da nova ordem mundial, partindo do modelo de negócio de cada empresa. A ferramenta parte de um instrumento que você já conhece – o Canvas do Modelo de Negócios – para introduzir e conectar conceitos que provavelmente não estão claramente relacionados para a maioria.O novo “Canvas de Modelos de Negócios Regenerativos” ou Canvas ESG, como nomeado pela Fast Company, simplifica a comunicação interna nas empresas, de RH a Finanças, da Logística ao Martketing e questiona a efetividade da comunicação com os stakeholders. Trata-se de um instrumento valioso tanto na elaboração de estratégias criativas para negócios estabelecidos como na modelagem de novos negócios, produtos e serviços.
>> O artigo é um pouco longo, mas necessário 😉
Vamos começar entendendo as quatro agendas que orientam a transição para modelos de negócio e economias mais sustentáveis:
1. Agenda da Natureza: Esta agenda foca na proteção e na conservação da biodiversidade, assim como na restauração de ecossistemas naturais. Ela reconhece a importância de manter a saúde dos ecossistemas para garantir a sustentabilidade ambiental, a segurança alimentar, e a proteção contra eventos climáticos extremos. A agenda da natureza busca integrar a valorização da natureza nas decisões econômicas e políticas.
2. Agenda de Mudanças Climáticas: Direcionada para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas e para a adaptação a suas consequências. Essa agenda inclui esforços para reduzir emissões de gases de efeito estufa, promover o uso de energias renováveis, e desenvolver estratégias de adaptação para comunidades vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas, como o aumento do nível do mar e a frequência de eventos climáticos extremos.
3. Agenda Estratégica Industrial: Relaciona-se ao desenvolvimento de setores industriais de uma maneira que seja ambientalmente sustentável e economicamente viável. Isso pode envolver a inovação em tecnologias verdes, práticas de produção mais limpas e eficientes, e a transição para uma economia circular, no qual o objetivo é reduzir o desperdício e promover a reutilização e reciclagem de recursos.
4. Agenda Econômica: Abrange políticas e estratégias econômicas que promovam o crescimento sustentável. Isso inclui investir em setores verdes, criar empregos sustentáveis, e implementar políticas fiscais e incentivos que apoiem práticas sustentáveis. A agenda econômica busca alinhar o desenvolvimento econômico com a proteção ambiental e a equidade social, assegurando que o crescimento econômico não ocorra à custa do meio ambiente ou da sociedade.
A CONVERGÊNCIA DAS 4 AGENDAS E AS FORMAS DE ABORDÁ-LAS
A tendência que observamos é um aumento no reconhecimento da importância dessas agendas não apenas para o meio ambiente e a sociedade, mas como uma estratégia essencial para a sustentabilidade a longo prazo dos negócios. Empresas e governos estão cada vez mais integrando essas considerações em suas decisões estratégicas, impulsionados tanto por pressões externas quanto pelo reconhecimento de que uma abordagem sustentável oferece vantagens competitivas e resiliência em um mundo em rápida mudança.
Agora podemos entender como cada um dos cinco termos iniciais se relaciona com essas quatro agendas:
1. Economia Circular: Este conceito foca na minimização do desperdício e na maximização do reuso dos recursos. A economia circular está diretamente alinhada com a Agenda da Natureza e, em menor medida, com a Agenda de Mudanças Climáticas, através da promoção do uso eficiente dos recursos naturais e da redução das emissões de gases de efeito estufa. No entanto, é menos explícito em termos de governança corporativa e impacto social direto.
2. Capitalismo Consciente: Este termo enfatiza o papel das empresas em contribuir positivamente para a sociedade, promovendo práticas éticas, sustentáveis e benéficas para todas as partes interessadas. O capitalismo consciente toca na Agenda Econômica e na Agenda Estratégica Industrial, promovendo uma abordagem ética e sustentável aos negócios. Embora alinhe com os aspectos sociais e de governança do ESG, pode não ser tão explícito na abordagem de questões ambientais específicas.
3. Capitalismo de Stakeholders: Este conceito amplia a responsabilidade das empresas para além dos acionistas, incluindo outros stakeholders como colaboradores, clientes, comunidades e o meio ambiente. O capitalismo de stakeholders se alinha bem com a Agenda Econômica e a Agenda Estratégica Industrial, enfatizando a necessidade de criar valor de forma mais ampla e sustentável. Ele se sobrepõe significativamente com os princípios do ESG, particularmente na governança e no aspecto social, além de incorporar a Responsabilidade Social Corporativa (RSC) como um elemento fundamental, enfatizando a importância da ética empresarial e do impacto positivo nas comunidades e na sociedade como um todo.
4. ESG (Environmental, Social, and Governance): Refere-se a um conjunto de critérios que medem o impacto de uma organização em questões ambientais, sociais e de governança. ESG oferece um framework para empresas medirem e reportarem seu desempenho nessas áreas, incentivando práticas sustentáveis, responsabilidade social e governança ética. Embora abrangente e aplicável em diversos setores, o ESG foca na mitigação de impactos negativos e na incorporação de práticas sustentáveis e responsáveis dentro dos frameworks corporativos existentes. O balanço zero de emissões de carbono (net zero) é um bom exemplo. O ESG é crucial para promover a responsabilidade corporativa e melhorar as práticas de negócios em relação ao meio ambiente, à sociedade e à governança. Embora sua aplicação possa ser mais gradual, tem o potencial de contribuir para uma transformação sistêmica, alinhando-se aos princípios da economia regenerativa.
5. Economia Regenerativa: Esta abordagem coloca a régua um pouco mais acima. Visa não apenas a sustentabilidade, mas também a regeneração e revitalização dos ecossistemas e comunidades. Propõe uma transformação radical e integrada dos sistemas econômicos, ambientais e sociais, enfatizando a regeneração ativa, a restauração de ecossistemas, e a revitalização de comunidades. Visa não apenas a sustentabilidade, mas também a criação de sistemas que são holísticos e que promovem a equidade, a resiliência e a saúde a longo prazo do planeta e de suas populações. Ao focar na mudança sistêmica e na integração profunda da sustentabilidade em todas as atividades econômicas, a economia regenerativa aborda as quatro agendas principais de maneira ampla e profunda, com um compromisso de longevidade, resiliência e justiça social.
Como você já deve ter percebido, para atender às quatro agendas é preciso mais que ajustes superficiais nos modelos de negócios. A seguir, vamos explorar o ESG como uma estratégia de transição para uma economia regenerativa a partir de provocações sobre os modelos de negócios atuais.
ESG como sistema operacional
Considere seu negócio como uma tecnologia desenvolvida para gerar valor tanto para a sociedade quanto para si mesmo. Este “dispositivo” opera sob um sistema operacional conhecido como capitalismo.
O ESG, dentro desta metáfora, é uma atualização do sistema operacional. É mais que meras mudanças superficiais no cotidiano corporativo; é a implementação de práticas essenciais e integradas que habilitam a geração de valor.
Pense nos sinais que seu smartphone dá quando você demora a atualizar o sistema. A bateria drena mais rápido do que o normal, aplicativos não rodam e o aparelho pode ter a segurança comprometida. Esses sinais são pequenos lembretes de que sem uma atualização, o sistema deixará de funcionar. É exatamente isso que está acontecendo agora com nossos modelos de negócios em relação ao meio ambiente e à sociedade. As quatro agendas estão nos enviando sinais de alerta: eventos climáticos extremos, perda de biodiversidade, desafios industriais e desigualdades econômicas crescentes. Sem uma atualização significativa, nosso “sistema” global não conseguirá sobreviver por muito tempo. Estamos sendo chamados não apenas para reconhecer esses sinais, mas para agir sobre eles. A atualização do modelo de negócios da sua empresa é fundamental para garantir que o seu processo de geração de riqueza esteja alinhado às exigências contemporâneas.
Portanto, o ESG é mais que uma agenda estratégica ou um conjunto de métricas; é a reinvenção da lógica por trás da criação de valor, unificando uma gama de ideias e conceitos para fomentar uma transição econômica regenerativa.
Alguns podem argumentar que não basta uma mera atualização; precisamos de uma reconstrução completa do sistema. A estes lembrarei, como boa sensemaker que sou, que o ser humano flerta com o novo mas resiste a ele, seja por medo do desconhecido seja por resistência ao esforço necessário para a mudança. Soluções radicais, embora tentadoras, muitas vezes não são práticas. Situações complexas demandam experimentações para aprendermos com o sistema. Isso envolve um ciclo de agir para pensar e pensar para agir, ajustando continuamente nossa rota à medida que novas informações e contextos emergem. Tudo isso exige os 3 Cs da inovação: curiosidade, criatividade e coragem.
Estamos em uma corrida contra o tempo: 2030 está batendo à nossa porta. O caminho a seguir nos impele ao uso de instrumentos inteligentes de transição, ferramentas que nos permitem fazer atualizar o sistema global no qual todos nós dependemos. Nossa estratégia deve ser audaciosa e ao mesmo tempo pragmática, abrindo caminho rapidamente em direção a um futuro sustentável, mas sempre com o cuidado de não descartar o valor do que já foi comprovadamente eficaz.
“A inteligência do ESG é mobilizar uma infraestrutura de enquadramento dos negócios, o que é altamente importante quando precisamos dar o mesmo comando, simultaneamente, a milhões de empresas em todo o planeta.” Erlana Castro, coautora do Canvas ESG
Esta é a tese do CANVAS ESG: atualizar o sistema conhecido a partir da pergunta: Como seu modelo de negócio pode ser lucrativo e regenerativo ao mesmo tempo?